missing pieces

Tenho um puzzle.

3.000 peças.
Sempre o tive - já andava por casa antes de eu caminhar.
Cartão vermelho-sangue, péssima embalagem, hedionda fotografia de um lugar banal.

Dezenas e dezenas de vezes iniciei a montagem da porcaria do puzzle.
Chegava a metade... depois não sabia onde estava uma peça. Frustrada - e arrumava tudo de novo.

Por vezes, mantive o que tinha construído intacto dentro de outra caixa.
Para ser mais fácil recomeçar.

Mas de nada adiantava.

Ou então, ficava a pensar no quão ridículo seria terminá-lo - e depois? Ficava montado? Como uma fotografia grande? E então? É só isso? E aí, nas mini crises existenciais de criança, atirava as peças ao ar e gritava de raiva.

Décadas e décadas aquele puzzle andou pelos mesmos metros quadrados.

Adiantou-se, voltou para trás.
Encaixou-se, desmontou-se.
Danificou-se, colou-se.
Organizava-se, misturava-se

a pergunta:

Será que vale a pena fazer qualquer puzzle quando já sabemos que muitas das peças desapareceram para todo o sempre?

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