atribulado III

***

D estava ainda à porta do cemitério. G entretanto parecia não agradecer a presença de ninguém - caminhou para o interior do espaço e desapareceu.

D pegou no telemóvel que tocou "Olha! C! A tua irmã mandou-me uma mensagem - é para irmos ter com ela."

"Que raio! Porque não me ligava a mim?! Enfim!" - C acompanhou D na saída do cemitério e caminhavam agora por ruas mais abertas e amplas.

Não houve grande conversa, estavam ambas a lamentar-se das colocações mas o coração de C continuava partido. Tinha a certeza de que nada poderia acontecer para melhorar aquela dor.

"Olha, vamos ali para tua casa, a tua irmã diz que tem uma surpresa".

C não aguentava mais surpresas. Já quase não conseguia aguentar-se em pé!

Entraram num espaço que C sabia não ser a sua casa - mas sentia que estava lá.

M era a irmã e estava também com T, a mãe.

C achou tudo muito estranho; após entrar reparou que tanto T como M estavam paradas. De braços cruzados a olhar para o tecto.

T rapidamente tirou as dúvidas - "Vamos para a casa nova". "O quê?! Agora?!" - "Sim! Então já não andávamos a falar disso há séculos? Já está resolvido!".

C não gostava nada do aspecto daquela sua antiga casa (que não a era - era um outro espaço que a mãe e a irmã teimavam chamar casa).

Olhou para os tectos altos, as madeiras escuras, o corredor assustador onde estavam as três.

"Onde foi a D?" - "Ela disse que tinha uns assuntos para resolver" respondeu a M.

Estavam agora as três a dizer adeus a uma casa que nunca o tinha sido.

A única coisa que ocorreu a C foi "Vou sentir saudades do cheiro da madeira antiga". Sentiu de imediato o arrependimento do que disse. Tanto T como M odiavam esse mesmo cheiro - era uma das razões para se porem a andar de lá.

Após uns segundos de silêncio de despedida, saem para um carro estacionado em frente.

E assim que C se senta, de repente o dia é de nuvens. Não é noite afinal!

Viam-se melhor os contornos dos veículos, das ruas que no escuro pareciam tão non-descript.

Viu a cidade grande no horizonte e viu também o mar! Oh que maravilha - pensou C.

E em meros segundos já estavam na nova cidade. Prontas para viver na nova casa.

T saiu do carro com um sorriso - "Tenho uma surpresa para ti C!".

Esta, olhava em volta. De ruelas pequenas e céu que se abatia quase na franja, tinha passado para uma metrópole de prédios altos e luzes bonitas.

Caminharam as três para um prédio bem bonito! Mas em vez de entrarem no elevador, T chamou C para umas escadas.

"Vamos descer, quero mostrar-te uma coisa". Desceram pelas curtas escadas e rapidamente o peito de C se encheu.

"Não acredito! Opá!! Que bom!! Obrigada!" - estava agora numa divisão enorme, interior e encerrada somente por vidros. No centro? Uma piscina de azul lindo que brilhava no escuro pelas luzes das suas paredes.

"Vês? Não é fantástico? Assim já não me chateias mais por causa da porra da piscina!" - T riu e abanou a cabeça.

Deram umas voltas e olharam pelos vidros - ninguém as podia ver de fora mas podiam ver tudo para lá.

C já se tinha esquecido da colocação! De B! Se calhar era esta a nova vida que precisava!

Subiram pelo elevador e C fechou os olhos para tentar adivinhar o andar quando lá chegasse.

Entraram por uma porta enorme e logo C ficou comovida com a escolha.

O espaço era enorme, sem paredes, tudo branco. O melhor? Vidros. A toda a volta. Um espaço fantástico, simples, moderno, envidraçado. Tudo aquilo que podia querer! Queria agora ficar ali para sempre! E ainda por cima com piscina?!

"Não estava à espera... isto é fantástico... adoro adoro!" abraçou T. M também gostou mas não ficara tão emocionada.

C chegou-se perto de uma das paredes de vidro e olhou para fora - "Estamos num 13º andar não estamos?"

"Yep."

"Uau... adoro adoro... a sério, obrigada. Escolheste bem e nem me perguntaste!" - via toda a metrópole lá fora cheia de luzes brilhantes e bonitas que chamavam pela vida nova.

T aproximou-se de C devagar e tocou-lhe no ombro - "Há só um pequeno pormenor..."

C estranhou logo o tom da mãe. "... o que foi? Não me assustes!"

T olhou para o chão antes de voltar a fixar os olhos em C - "Agora que aqui estamos, é impossível sair".

C sentiu o estômago às voltas - "Como assim?! Não podemos sair?" - "É que... para viver aqui é preciso ficar aqui... podes ir à piscina e cá para cima mas não podemos sair mais deste prédio nunca".

C sentiu-se fraca. Era por isso que M estava tão calma!

Começou a tentar abrir os vidros que a rodeavam - nada.
Correu para a porta. Abriu! Entrou no elevador de respiração acelerada e reparou que os botões estavam diferentes... Olhou para baixo e viu que estava sobre vidro.

E debaixo desse vidro... estavam 100 andares de escuridão. Um fosso, simplesmente.

Carregou no andar mais baixo de tantos botões e sentiu-se desvanecer. Acordou no escuro do elevador que estava bem enterrado em ... bem, nada!

 "Não é possível!"

Com medo de um espaço tão pequeno a metros e metros de profundidade, carregou de novo para voltar para casa.

Entrou e chorou.

Era o seu sonho. Mas agora nunca mais poderia sair...

T abraçou as filhas e começaram a arrumar os móveis. C sentiu a profundidade do horror que ia agora começar...

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