harmónica e chapéu no chão

estes dias vão ser estranhos...

"novo" trabalho (novas directrizes) implica que me concentre durante uns dias até me ser fácil e quase natural conseguir escrever do modo que me pedem.

e eu sou não sou a tipa mais flexível no que toca a ambiente de trabalho... há regras a cumprir, maneiras de estar sentada, almofadas adequadas, sei lá - um monte de requisitos que me colocam no famoso "flow".

como começou hoje e para dois míseros trabalhos demorei o dia inteiro (quando antes demorava meia-hora para cada)... vou ter de ficar por estes lados, onde vivo sozinha, durante a páscoa.

sinto-me mal... acho que há certas pessoas que, sem darem por isso, beneficiam da minha companhia (raramente o admitem mas dão sinais...).

e vai ser outra daquelas alturas - aquela cadeira está vazia... e aquela também...

é como um circo. normalmente (digo eu - tenho uma ideia do circo mas não sei bem como é) os palhaços são quem anima mais a coisa enquanto que os outros artistas desafiam a gravidade ou a flexibilidade para impressionar - mas não para fazer rir e ... abrir! Extroversão vs Introv.

e acontece que nessas duas cadeiras vazias estavam as animadoras do circo que é a minha família.
não é nesse sentido, embora às vezes pareça, mas acho que é uma boa metáfora porque realmente tenho notado que o silêncio pesa muito e os espaços vazios existem porque essas duas pessoas eram frenéticas
não paravam quietas, quase nem se sentavam para a refeição - andavam a ajudar a organizar tudo porque a família é GRANDE e quando se junta tudo temos de juntar mesas e inventar banquinhos.

então... agora... falta algo no campo visual. aqueles dois vultos de um lado para o outro, as risadas altas feitas com o nariz que soavam estranho e me faziam rir.

ou as bocas da sabedoria da avó, que parecendo estar a descansar, fechava os olhos e ouvia tudo o que se falava... e na altura certa - pimba. alguém levava com uma bofetada de luva branca.

porra eu adoro a minha avó. tem uma perspicácia que nunca vi noutra pessoa e era de olhos fechados que mais falava - "escuta..." era assim que começava.

e era tão bom porque eu podia criar uma discussão saudável, rir-me com ela e ela também queria perceber de mim.

a minha avó queria muito perceber-me e isso deixou-me... de peito cheio. não é qualquer pessoa de mais idade que percebe mais de depressões que a maioria das pessoas na casa dos 30.

mas ela percebia-me tanto e tão bem! ela topava tudo...

avós destas não são para qualquer pessoa... a empatia que emanava daquele corpo de mãos enrugadas era inesgotável e impressionava-me. não era preciso dizer nada - ela já tinha percebido.
ou então dizia-lhe - e ela respondia "eu já sabia" e sorria.

e era ela que nunca se sentava nesses almoços ou jantares de família. os "galfarros" como lhes chamava.
andava sempre em pé a percorrer a sala e a cozinha para acomodar qualquer merdice pequena - mas ela dizia logo em tom assertivo - "deixa...! eu vou lá!" e pronto, nada podíamos fazer contra, deixá-la ir.

era feliz à maneira dela.

e depois a outra cadeira vazia, talvez a que me afecta mais. ainda não sei.
porque nessa cadeira estava a filha da minha avó, a minha mãe - e estaria a mentir se não dissesse que aqueles genes estavam bem partilhados para o lado da avó.

uma hora antes da refeição já aprontava tudo e usava sempre um avental. muitas vezes não era necessário mas usava sempre um avental. e tinha sempre coisas para colocar no bolso do avental - uma coisa estranha mas percebi que era mania.
tinha sempre lenços de papel por todo o lado - novos e sem qualquer sujidade mas amarrotados e enfiados nos bolsos.
todos os bolsos.
há uns dias fui ao monte de casacos dela e procurei o que estivesse nos bolsos.
para além de um bilhetinho apanhado a um aluno, era papel por todo o lado!
tudo a desfazer-se...

e agora eu olho para a minha carteira e noto que estou sempre a tentar evitar que o mesmo aconteça - porque também tenho essa... coisa (não se denomine um hábito que não o é) de enfiar maços de lenços de papel e esquecer-me deles por anos e anos para depois dar com farrapos no fundo da carteira quando, finalmente, passado meses, preciso de um lenço de papel.

porque sempre que preciso de um lenço de papel não estou com a carteira.

ohhh

esta páscoa vai ser porque tem de ser - é assim designada e não vou evitar dar-lhe o nome.

muito trabalho. muito sossego. muito silêncio. muitas letras.

mas... sinceramente - ainda bem que houve esta mudança de directrizes porque não estou, de todo, virada para enfrentar lugares vazios.

já basta o meu, cá dentro.

quanto a eles, que aproveitem, bebam os copos, comam as coisas que se comem agora.

estou triste por saber que irei fazer diferença a uma ou duas pessoas. talvez três.

mas de que sirvo a essas três pessoas se fico especada de garfo na mão a olhar para a cadeira vazia?

só lido bem com o meu próprio silêncio - esse sim, até o aprecio. o silêncio interior que acalma.

o silêncio imposto, inesperado, rasgado de alguém que me toca o coração.... não, obrigada.

prefiro barulho, com esse não sei lidar.

bons chocolates e coelhos e essas coisas

Previous
Previous

mário e morango

Next
Next

misturas